Diga-se, inicialmente, que para fins de elucidação do objeto proposto desta reflexão, a CONDECINE, Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, foi instituída pela Medida Provisória 2.228-1/2001, com o objetivo de fomentar a indústria cinematográfica brasileira e ao audiovisual, atividades que são diretamente desenvolvidas pela Agência Nacional do Cinema (“ANCINE”) e pelo Ministério da Cultura – através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Nacional (“PRODECINE”).

Conforme a classificação da teoria pentapartite insurgida pelo Supremo Tribunal Federal, a CONDECINE nada mais é do que uma das espécies da Contribuição Especial denominada Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – (CIDE), utilizada como instrumento de política econômica para enfrentar determinadas situações que exijam a intervenção da União na economia do país (Art. 149 CF).

Após a inserção da Lei nº 12.485/2011[1] no ordenamento jurídico, conhecido como marco regulatório do serviço de TV por assinatura, que inseriu às operadoras de telefonia, a CONDECINE passou a ter também como fato gerador a prestação de serviços que se utilizem de meios que possam, efetiva ou potencialmente, distribuir conteúdos audiovisuais.

A CONDECINE, em linhas gerais, subdivide-se em três modalidades[2], senão vejamos:

a) CONDECINE TÍTULO: que incide sobre a exploração comercial de obras em cada um dos segmentos do mercado, a exemplo de salas de exibição, vídeo doméstico, TV por assinatura, TV aberta e outros mercados ( 33 da MP 2.228/2001)

b) CONDECINE TELES: estatuída pela Lei nº 12.485/2011[3], qual é devida pelas concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviços de telecomunicações que prestam serviços que se utilize de meios que possam distribuir conteúdos audiovisuais (inciso II do Art.32, da MP 2.228/2001).

c) CONDECINE REMESSA: estatuída por uma taxação de 11 % sobre a remessa ao exterior decorrente de importâncias relativas a rendimento decorrente da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas ou por sua aquisição ou importação. (Art. 32,§ único da MP 2.228/2001).

Em síntese, o fato gerador da CONDECINE para fins de incidência tributária conforme estabelece o artigo 32 da Medida Provisória 2.228-1/2001, consiste na exploração comercial de obras audiovisuais em cada um dos segmentos de mercado (salas de exibição, vídeo doméstico, TV por assinatura).

Adentrando no objeto proposto da presente reflexão, a Ancine em meados de junho de 2018 conforme amplamente veiculado nas mídias, encaminhou ao Ministério da Cultura uma proposta para criação de um PL ou edição de medida provisória para inserir a tributação às empresas que prestam serviços de vídeo sob demanda (sigla VOD), qual ainda segue sem definição.

Serviços de vídeo sob demanda (VOD) para fins de esclarecimentos do leitor, são serviços que existem desde a década de 1990 como fonte de expansão do mercado audiovisual dado ao avanço tecnológico e consolidado em diversos países.  Em suma, são aqueles serviços de vídeo disponibilizados em plataforma digital – streaming, associados à oferta da banda larga internet por meio de catálogos de conteúdos audiovisuais, cujo conteúdo é acessado pelo usuário por meio de um simples toque no conteúdo desejado. A exemplo de empresas que prestam essa modalidade de vídeo sob demanda, podemos citar a Netflix, Amazon, HBO Go e outros.

Retomando a questão central que envolve o alcance da contribuição CONDECINE aos provedores de vídeo sob demanda, o Conselho Superior do Cinema (CSC[4]) decidiu que haverá duas modalidades de cobrança para esta contribuição, senão vejamos: (i) sobre o número de obras que compõem o catálago da embresa no Brasil, a chama Condecine Catálago; ou (ii) por um valor único por assinante/transação, chamada de Condeine por Assinatura ou Condecine Transação.

Empresas optantes do regime tributário do Simples Nacional estarão excluídas de efetuarem o pagamento da Contribuição Condecine, dado à dispensa conferida pela lei. (Art. 13, §3 da LC 123/2006).

O texto aprovado[5], porém, embora travado, ainda estabelece que a Contribuição não incidirá sobre os serviços comercializados pelas operadoras de TV paga e radiodifusores que têm como funcionalidade a disposição de conteúdo nas plataformas de TV Everywhere – serviço que permite acessar os conteúdos pagos também fora do ambiente doméstico.  

Pois bem, delineado o exposto acima, questiona-se: Qual o ponto crucial que envolve as Prestadoras de TV a CABO, versos Provedores que exploram o Serviço de Vídeo sob Demanda (VOD)?

Podemos citar de antemão que não há somente um ponto crucial que envolve a celeuma desses dois segmentos, mas sim de vários, de modo que limitaremos nossa abordagem somente em alguns dos pontos, quais sejam: âmbito regulatório e tributário.

Entendemos que devido ao avanço tecnológico em que a sociedade se encontra e o surgimento de novos agentes no mercado, a batalha surgida entre as prestadoras de TV a cabo, versos empresas que exploram o segmento de Vídeo Sob Demanda (VOD), a exemplo do NETFLIX, AMAZON e outros, refere-se ao fato de as TELES estarem sujeitas a carga tributária e às obrigações regulatórias que estão compelidas a cumprirem, enquanto os Provedores do Segmento de Vídeo Sob Demanda (V0D), estarem dispensados de tal obrigatoriedade, o que vem a tona a caracterização de concorrência desleal, competição desigual e desequilíbrio financeiro desarmônico.

Em uma breve pincelada sobre as obrigações que às operadoras de TV a cabo estão sujeitas a cumprirem, podemos citar: (i) necessidade de outorga para exploração do serviço, cumprimento de obrigações regulatórias estatuídas pela Lei Geral Telecomunicações[6], Lei do SEAC[7] e instruções normativas expedidas pela Anatel; (ii) encargos incidentes sobre as Estações e Terminais de Telecomunicações: (Taxa de Instalação (TFI) e Taxa e Funcionamento (TFF), paga anualmente, e (iii) encargos tributários com recolhimento dos seguintes tributos: (PIS, COFINS, ICMS- comunicação, FUST, FUNTTEL, CONDECINE) e outros.

Ao passo que os Provedores do Segmento de Vídeo Sob Demanda (V0D), por sua vez, estão apenas sujeitos à tributação do quarteto federal: IR, PIS, COFINS e CSLL, e no âmbito municipal – ISS, dado à disposição esculpida nos item 1.09 da LC[8] nº 116/2003, alterado pela Lei Complementar 157/2017, já que não há em nosso ordenamento jurídico pátrio regulamentos inerentes a este tipo de atividade. 

Ou seja, dado ao rol de obrigações que às operadoras de TV estão adstritas a seguirem como visto acima, verifica-se que tais obrigações são amplas se comparadas às obrigações que os Provedores do Segmento de Vídeo Sob Demanda (V0D) necessitam cumprir, e que em linhas gerais, podemos suscitar que são mínimas, já que não necessitam de outorga para explorar o serviço, não necessitam recolher os encargos setoriais e tributários que às operadoras de TV a cabo estão sujeitas, e tampouco à onerosidade dos custos despendidos pelas Teles em relação a infraestrutura para a operacionalização do serviço.  

Além disso, apontamos que após o estudo levantado sobre a matéria em questão, há uma corrente que defende que o modelo OTT (Over-The-Top) e Provedores de Vídeo sob demanda (VOD) não podem ser considerados como prestadores de serviços.  A argumentação se dá ao fato de que as atividades desempenhadas nesses modelos de negócios não estão inseridas no conceito lógico semântico da palavra “prestação de serviços”, dado ao passo que esses serviços, compreendem a uma obrigação de dar (disponibilizar algo) e não de fazer, sendo equiparados como provedores de Serviço de Valor Adicionado – SVA, não abarcando a incidência tributária em questão. 

Apontamos, ainda, a existência de outra corrente que entende que o modelo OTT (Over-The-Top) e Provedores de Vídeo sob demanda (VOD), se equiparam aos serviços de telecomunicações, de modo que a solução para fins de assimetria no mercado, seria incluir as atividades desses segmentos na Lei Geral de Telecomunicações e demais instrumentos normativos, o que traria margem de igualdade e equivalência no mercado entre as Teles x Provedores do Segmento de Vídeo sob demanda (V0D), a fim de viabilizar valores que não impeçam a operacionalização dos serviços em prol da coletividade.

Outro ponto que se faz necessário ressaltar acerca da CONDECINE, refere-se à Instrução Normativa da ANCINE nº 105/2012 – que estabeleceu a CONDECINE para as obras disponibilizadas por serviços de VOD no segmento de “outros mercados” (Art. 21, §2º, inciso I).  Sobre outros mercados, a MP 2228 aborda o conceito de outros mercados.  O que já gerou confusão: “outros mercados”, dado a amplitude da terminologia.

Acerca do IMPASSE SURGIDO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA frente a essa instrução normativa que se encontra em vigor, evidencia-se a criação de um tributo por meio de uma instrução normativa e não por lei conforme demanda o Princípio da Legalidade Tributária previsto no artigo 150, I da CF; bem como ainda, insegurança jurídica instaurada no mercado que põe a óbice o surgimento de novos players, o que resulta na inviabilidade econômica do pagamento da CONDECINE – Título no modelo de negócio de VOD.

Sobre o IMPASSE SURGIDO EM MATÉRIA REGULATÓRIA, citamos à ausência de instrumentos normativos em nosso ordenamento jurídico que regulem esse modelo de negócio – VOD, o que dificulta até a cobrança da CONDECINE.

Feita essas considerações, entendemos que devido ao retardo da legislação tributária e o avanço contínuo da tecnologia, a reforma tributária seria imprescindível para amenizar o conflito existente envolvendo os segmentos das novas tecnologias e dos serviços telecomunicações, mercado, esse, que só expande a cada dia.  

Sendo assim, para que possamos ter uma amplitude mais clara sobre o tema questão, temos a posição de aguardar os próximos tramites da proposta da ANCINE acerca da incidência da Condecine sobre esses segmentos, a reforma tributária que se encontra em discussão, bem como, ainda, a reforma da Lei Geral de Telecomunicações, objeto do PLC 79/2016.

Para finalizar, aos provedores de vídeo sob demanda (VOD) que recolheram a CONDECINE com base nos dispositivos da Instrução Normativa da ANCINE nº 105/2012, entendemos que esses poderão se valer da medida judicial cabível para buscarem a restituição dos valores recolhidos indevidamente, visto que conforme exarado no decorrer deste artigo, somente a lei seria o instrumento apto a ensejar a cobrança de um tributo conforme pressupõe o princípio da legalidade estatuído no artigo 150, I da CF, e não a instrução normativa expedida pela ANCINE como evidenciado na presente situação.

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Florianópolis-SC, 25 de Abril de 2019.

Artigo redigido pela Advogada Patrícia Schmitt (OAB-SC nº 36.715) Tributarista e Especialista em Regulatório de Telecom integrante do Escritório Martelli Advogados Associados de Florianópolis–SC, gerenciado pelo Sócio e Advogado Danilo Martelli Júnior – OAB-SC nº 30.989.

[1] BRASIL. Lei nº 12.485/2011. – Dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado; altera a Medida Provisória no 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, e as Leis nos11.437, de 28 de dezembro de 2006, 5.070, de 7 de julho de 1966, 8.977, de 6 de janeiro de 1995, e 9.472, de 16 de julho de 1997; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12485.htm>. Acesso em: 20 de Abril de 2019.

[2] ANCINE. Disponível em: <https://www.ancine.gov.br/pt-br/condecine> Acesso em: 20 de Abril de 2019.

[3]  BRASIL. lei nº 12.485/2011. – Dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado; altera a Medida Provisória no 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, e as Leis nos11.437, de 28 de dezembro de 2006, 5.070, de 7 de julho de 1966, 8.977, de 6 de janeiro de 1995, e 9.472, de 16 de julho de 1997; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12485.htm> Acesso em: 25 de Abril de 2019.

[4] ANCINE.  Disponível em: <https://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-imprensa/noticias/conselho-superior-do-cinema-aprova-modelo-h-brido-de-cobran-de-condecine>. Acesso em: 25 de Abril de 2019.

[5] ANCINE.  Disponível em: <https://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-imprensa/noticias/conselho-superior-do-cinema-aprova-modelo-h-brido-de-cobran-de-condecine>. Acesso em: 25 de Abril de 2019.

[6] BRASI.  Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm> Acesso em: 25 de Abril de 2019.

[7] Lei nº 12.485/2011. – Dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado; altera a Medida Provisória no 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, e as Leis nos11.437, de 28 de dezembro de 2006, 5.070, de 7 de julho de 1966, 8.977, de 6 de janeiro de 1995, e 9.472, de 16 de julho de 1997; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12485.htm> Acesso em: 25 de Abril de 2019.

[8] BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003
Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências.

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